escrevo com a regularidade com que
defeco:
1 vez por dia
todos à espera de Paula
Veio Inês
desfecho Inêsperado
O ELETRICISTA
Toda a gente na Vila conhecia o Zé Maria. José Maria Paulo Imaginário, eletricista de profissão, a trabalhar na EDP aquando do estúpido acidente que o vitimou no Ribatejo, proximidades da Chamusca, ao montar, com a sua equipa, uma linha de alta tensão entre Santarém e aquela Vila.
Morreu eletrocutado - dizem que por negligência imperdoável em operários com os seus traquejo e profissionalismo: Nas alturas da estrutura metálica que suporta as linhas, tentou atabalhoadamente libertar-se de um enxame que passava acidentalmente em busca de local adequado para se transferir. De tal ordem ficou perturbado o Zé Maria que esbracejou com uma vara metálica na tentativa de afugentar as abelhas, e acabou
ligando duas linhas que provocaram o fatal, inevitável curto-circuito que o esturricou num abrir e fechar de olhos.
Na Vila, dizíamos atrás, Zé Maria não só era conhecido, como toda a gente nutria por ele uma estima indisfarçável, não só pelos pequenos favores que prestava a qualquer um – reparar um frigorífico que de repente se recusou a trabalhar; um candeeiro de pé que entrou em greve e deixou de iluminar a sala de televisão; o próprio quadro, cérebro de toda a distribuição de energia elétrica do prédio – Zé Maria estava sempre pronto, como médico de aldeia, a socorrer a qualquer hora quem lhe batesse à porta para uma consulta elétrica de urgência.
Era além do mais um ser eminentemente social, devoto de um bom petisco e alguns copos ditos pós-laborais nos vários templos báquicos do burgo. Ele próprio era perito na localização e coleta de especialidades campestres como espargos, túberas, silarcas, cogumelos, favorecido por um faro animalesco que o tornava imbatível também nestas competências.
Já o conhecia de quando trabalhámos juntos numa Fábrica de produtos alimentares da região – ele como técnico de manutenção da parte elétrica do complexo, eu, engenheiro agrário, enquanto responsável pela produção de matéria-prima que alimentava o complexo fabril. Hierarquicamente superior, eu, acima uns degrauzitos, não o suficiente para anular a enorme desproporção física que havia entre nós. Zé Maria era grande na ordem de um metro e noventa
A Fábrica fechou, por gestões sucessivas incompetentes e corruptas, e cada um se fez à vida por seu lado, ele, Zé Maria, concorrendo com sucesso à pública EDP, eu, de mais difícil retoma de trabalho, emigrando para Moçambique – onde passei mais de uma década de cerveja e ataques traiçoeiros de paludismo.
Quis o acaso que voltássemos a ficar de novo perto, porque me lembrei, de regresso a Portugal (saudosismo serôdio?) de procurar casa na Vila mais próxima da Fábrica, do esqueleto da Fábrica, mesmo que a duas dezenas de quilómetros da cidade, onde pareceria mais avisado tê-lo feito. Talvez levado pela moda, pela vaga ecológica pós-revolucionária que varria as melhores mentalidades burguesas da província. Foi assim que comprei um Monte, junto à Ribeira que servia a velha Fábrica, numa parcela de terreno de quase quatro hectares, que daria o bastante, quando cultivada, não só para o meu escasso consumo alimentar diário, como, passe a redundância, para alimentar a quase totalidade da população da Vila.
Por mais do que uma vez precisei dos bons, e sempre graciosos, serviços do amigo Imaginário – primeiro para eletrificar o Monte como casa de habitação, depois para fazer chegar a enigmática energia ao poço e à charca para rega, aos estábulos, ao celeiro, a tudo quanto compete a uma pequena exploração agrícola minimamente eficiente.
O número de telemóvel do Zé Maria Imaginário fazia parte da minha agenda de primeiros socorros, embora o conhecesse de cor talvez como nenhum outro: 93
……com pouco esforço era capaz de o reproduzir sem ter que recorrer às folhas
engorduradas da agenda
- Zé Maria? Por onde é que anda o meu amigo?
Sei que era capaz, quando aflito com trabalho, da pequena mentira piedosa: sabe, engenheiro, fui chamado a Évora e não sei a que horas me vou despachar desta empreitada com que não contava. Mas diga lá, engenheiro, com o que é que está aflito agora? Se for coisa que eu possa desenrascar….
Zé Maria Paulo Imaginário morreu, como já se disse, em estúpido acidente de trabalho, no Ribatejo, vai para uma boa dezena de anos.
Guardo ainda o número de telemóvel do inestimável pronto-a-desenrascar que era o grandalhão do Zé Maria, e, não me perguntem por quê, quando há pouco tempo necessitei de um trabalho de eletricista urgente, sem saber a quem me dirigir, pensei desta forma no mínimo anacrónica:
E se, com a morte do Zé Maria, a empresa tivesse transferido o telemóvel que lhe estava atribuído para o funcionário que logo após a sua morte ocupara o lugar em sua substituição? Meio desesperado, nada como tentar a minha chance. Aliás, o que é que tinha a perder! Nada, pois, como tentar
93 25 5 74 10 .Tinha memorizado, lembro, por se tratar de 25 de Abril – do 5 – de 74, pelas 10 horas, que foi quando tomei conta do acontecimento, pela rádio, em Alter-do-Chão. Seria fácil não me ter perdido na marcação de cor, preferi contudo não arriscar e retomar o número da Agenda guardada ainda na gaveta.
Marquei, sem grande esperança, aguardei uma boa meia-dúzia de toques de chamada, até que, para surpresa minha alguém respondeu do outro lado:
-José Maria Imaginário. Diga, senhor engenheiro o que é que o traz por cá
- Mas….José Maria Imaginário morreu há pelo menos uma dezena de anos eletrocutado
quando fazia….
- Eu sei, eu sei, o senhor até teve a amabilidade de acompanhar o meu funeral para o cemitério da Vila….
- Não brinque, por favor, morreu e continua a falar comigo ao telefone?
- Morri mas continuo a arder, pode crer, nada me impede de falar. Desligue o telemóvel e ponha-o em lugar seguro, não o guarde no bolso como é seu costume
Procedi em conformidade, meio crédulo meio em pânico:
Desliguei o telemóvel, coloquei-o sobre o mármore frio do balcão da Cozinha.
Explodiu de imediato, provocando uma chama enorme e exalando um cheiro intenso, insuportavelmente intenso a enxofre
e ozono
Igrejinha, Maio de 2009
problemas no radiador
outras mazela pequenas
muito abaixo do valor
500 euros apenas
telm: 96 45 45 787
Feliz de quem pode dar
Àquele que nada tem
Só não pode é abusar
Ou fica teso também
Gosto da quadra popular como manifestação poética concentrada, sintética. Rápida como pedrada ou tiro, certeira, contundente, inesperada como entalar os tomates ao fechar o fechoéclaire. Às minhas decidi chamar-lhes “P´ra Pulares”
Gasta o que tem e não tem
- é o seu ponto de vista:
Empenhar-se em vestir bem
Para encontrar quem a dispa
quadras p´ra pulares
se o mundo estivesse à venda
em qualquer supermercado
só lá estaria a legenda:
não há mais mundo --- Esgotado
quem me dera ser da guarda
nacional republicana
já tinha cavalo e farda
e capacete à romana